Thursday, February 01, 2007
india song 9 (um dia para mim em fort cochin)
Carissimo diario:
Outra vez a mesma conversa de que hoje, sendo feriado, nao se serve alcool. Esta conversa foi no restaurante onde tivemos de almocar no primeiro dia aqui em Kochi. Fui, entao, para a esplanada dos rapazes que parecem estar pastilhados que fica junto ao posto de turismo. Aqui, nesta esplanada, onde ha dois dias, apesar de ser feriado, nao houve grande impedimento em ter uma vodka cola ao jantar, aqui, nesta esplanada, repetiram o numero de ontem ao jantar no restaurante que fica junto ao Kerala Kathakali Centre, servem-nos cerveja em bules e canecas para cha ou cafe. Pois que ja consta um bule desse tao especifico cha no meu interior. Pelo que, estou algo flutuante.
Eles foram fazer o tal passeio de barco no qual eu nunca tive interesse, fiquei, portanto, com o dia para mim. So far, esta a correr muito bem. Estava a precisar de passar umas horas sozinho tambem. Nao porque esteja mal com os meus queridos amigos mas porque ja sao muitos dias sempre acompanhado, apenas isso.
Antes de prosseguir com o presente dia, carissimo diario, vou contar-te o resto de Calicut e os dois primeiros dias em Kochi. Entao, Calicut: feio, sujo, turvo, energia estranha (sente-se logo quando la se chega), o hotel era muito bom, o melhor (em termos de pingarelhice) onde ja estivemos. Chega'mos, fomos para o hotel, toma'mos um duche, and'amos um pouco pela rua do hotel e acab'amos por desistir e apanhar um rickshaw para a praia (a tal onde o senhor Vasco da Gama chegou). Chegados 'a praia depar'amo-nos com uma grande concentracao de pessoas no areal e um palco. Um genero de festival. Estava a tocar uma banda engracada de Kochi (faziam uma mistura de sort of free jazz com musica tradicional indiana), giro. Acab'amos por nos fartar de ali estar e fomos embora. A Marisa e Miguel nao tinham fome, eu e Joni, claro que sim. Par'amos num cafe armado em ocidentaloide que vendia fruta e sumos e la comemos melao e ananase etc.. Apanh'amos um rickshaw, com dificuldade, e est'avamos a dirigir-nos para o hotel, onde eu e o joni plane'avamos jantar, e ouvimos, vindo de um parque, ja perto do hotel, musica e agitacao. Pergunt'amos ao senhor do rickshaw o que era e ele disse: Kathakali. Histeria geral (dos quatro). Em coro, para o condutor: stop! Sa'imos a correr do rickshaw e entr'amos parque adentro para ver a performance. Foi entao, em Calicut, carissimo diario, naquela estranha e turva cidade, que eu vi o meu primeiro espectaculo de Kathakali (que como sabes, 'e uma curiosidade-paixao com algum tempo e uma das grandes razoes da minha vinda ao sul da India). Estavam meia duzia de gatos pingados a na assistencia, n'os l'a no acocor'amos e, eis senao quando, vem um senhor ter connosco e providencia quatro cadeiras para fic'assemos bem instalados. O espect'aculo entusiasmou-nos mas tamb'em nos deixou a impressao (ontem confirmada) de que era um bocadinho bufao demais. Finda a performance, (a qual foi pontuada por uma nao menos surpreendente performance de um dos assistentes que, pelos vistos, 'e um maluco local e que ficou muito agitado com a nossa presenca), o senhor que nos deu as cadeiras fez questao de nos apresentar toda a gente que o cercava. Ficamos, entao, a saber que estava a decorrer em Calucut um festival de folclore de Kerala (sort of, esta performance de Kathakali e o concerto da praia eram, portanto, prova disso), este academia de Khatakali era mesmo de Calicut, fomos apresentados ao guru, o mestre de Kathakali daquela academia, um velhinho com uns oculos garrafias que era igual 'a minha ha muito falecida avo Inocencia Augusta (que tambem usava uns oculos garrafais). Uns dedinhos de conversa no parque e l'a volt'amos para o hotel. Dia a seguir, bem cedo, rum'amos a Ernakulam (estacao de comboio que permite a chegada a Kochi e nome de uma localidade que 'e tipo Almada de Kochi).
Essa viagem de comboio foi, para mim, outro dos momentos altos desta viagem. Passei as quatro horas da viagem praticamente pendurado na porta do comboio. Impossivel ficar dentro da carruagem, as janelas tem grades e os vidros sao bacos e quase sepia. Foi linda esta viagem, um calor fantastico a torrar-me o corpo, a India a desfilar perante o meu olhar. A felicidade absoluta: a India a desfilar, o calor no corpo, e a musica nos meus headphones. Nada mais. Assim sou inteiramente feliz. Nao preciso de mais. Podia passar assim o resto da vida: num comboio a ver a India e a ouvir musica. Houve alturas em que nao consegui evitar uma afoita lagrima. E vi a imagem mais linda de sempre, a e km de uma localidade chamada Karakad (nao a posso descrever, 'e minha, para sempre e nao a consigo descrever, mas estou seguro de que um dia hei-de pisar aquele chao). Nao consigo descrever a felicidade que obtenho nestas viagens de comboio (tao sonhadas). O olho fotografico, o coracao ligado ao tempo. O tempo do olho, a pintura do mundo.
Kochi 'e muito agrad'avel, muito mesmo. ontem fomos ver um espect'aculo de khatakali numa academia profissional e certificada mesmo. Muito bom, genial, complexo, simples, muito bem executado, faz pensar imenso nas ligacoes do ocidente e do oriente (teatro classico, tradicao, folclore, etc), um cantor magnifico, um dos actores (o mais velho, provavelmente o mestre) de cortar a respiracao. Muito bom, quero mais Kathakali na minha vida. Hei-de estudar muito mais profundamente.
Hoje tirei o dia para mim. Acordei e comecei a ouvir o grande Fausto ("Por Este Rio Acima"), que o Miguel trouxe, e comec'amos a ouvir ontem 'a noite, e que aqui faz todo o sentido. Tenho estado a dia todo a ouvir o disco em repeat.
Tomei o pequeno almoco no Monte Carlo, um café freak chic muito simpático, e a seguir fui a Saint Francis Church. De seguida, um rickshaw para o bairro judeu (Jew Town). Fui 'a sinagoga: comprei um belo de um Kurta Pajam (finalizado ao meu gosto, por um senhor alfaiate velhinho), comprei essencia de Amber Musk, incenso, especiarias, e acho que mais nada. A seguir, um rickshaw de regresso a Fort Kochi, esplanada: acabar de ler o livro que me tem acompanhado (biografia da Frida Kahlo) e cerveja no bule. Agora, cyber coiso e depois vou fazer uma massagem ayurvedica. Como ja gastei mais do que devia e j'a 'e tarde (espero que me atendam) vou fazer uma massagem para a sinusite apenas. Nao vou fazer a tal full body (em que os senhores so nao te mexem no cerebro porque nao esta 'a vista). Vou, a caminho da massagem, ouvir de novo o Fausto. E vou ouvir uma das canções mais lindas do mundo e grande tema da minha vida:
Lembra-me um sonho lindo
Quase acabado
Lembra-me un céu abertoOutro fechado
Estala-me a veia em sangue
Estrangulada
Estoira no peito um grito
À desfilada
Canta rouxinol canta
Não me dês pena
Cresce girasol cresce
Entre açucenas
Afaga-me o corpo todo
Se te pertenço
Rasga-me o ventre ardendo
Em fumos de incenso
Ai, como eu te quero
Ai, de madrugada
Ai, alma da terra
Ai, lindaAssim deitada
Ai, como eu te amo
Ai, tão sossegada
Ai, beijo-te o corpo
Ai, seara
Tão desejada
Fausto Bordalo Dias (o genio que portugal mal consegue ver mas que grandemente o louva)
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1 comment:
querido hugo
perdi-te no messenger... o que ri durante a sessão de hebraico e depois os números!
ainda noutro dia estive a ouvir este cd (que comprei só agora)
adoro as descrições dos comboios
é a melhor coisa do mundo ver desfilar a paisagem desconhecida e bela
peço-vos outro postal... desta vez com a tal paisagem (não a tua, mas uma só minha)
beijo
cá vos esperamos em breve
san san
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