ipodonan

Thursday, February 15, 2007

o grande amante

Regresso hoje a lisboa, estou no algarve. Sonhei com facas hoje; não sei o que significa, procuro na internet mas a resposta obtida nos sites brasileiros manhosos desanima-me. Não me dou ao trabalho de aprofundar a pesquisa. Sonhei com facas, pronto, paciência. Podia ter sonhado com rodas dentadas ou bombas de hidrogénio. Faz hoje exactamente um mês que cheguei à Índia; essa bela e doce Índia. A esta hora estaria muito provavelmente a almoçar no Leopold’s pela primeira vez. Oh, que saudades do leopold’s! Não escrevi mais depois de Kochi. Fomos de lá para Trivandrum (não gostei de Trivandrum). Essa viagem de comboio foi ao fim da tarde, anoiteceu entretanto. Não usufruí, portanto, da porta do comboio nem do desfilar da Índia. Era noite, veria muito pouco. Fiquei na carruagem, ouvi o "Six" dos mansun e fiz um desenho nas últimas páginas do caderno tosco que comprei em Kochi. Em Trinvadrum foi difícil arranjar onde jantar. Na manhã seguinte, fomos ao mercado e a um templo cujos nomes não me recordo; recordo-me de que gostei. Apanhámos, nessa tarde, o avião de regresso a Mumbai. Mumbai, Mumbai, a gigantesca, viva, electrizante Mumbai. Chegámos ao fim do dia, demorámos uma hora e meia de taxi do aeroporto até Colaba Causeway, instalámo-nos no Hotel Causeway e fomos jantar ao nosso velho e querido Leopold's. Finalmente voltei a devorar half roast fried chicken; as saudades que eu tinha do Leopold’s; aqui já não havia bules para esconder a cerveja, nem estratagemas. Havia, de novo, a bela da garrafa da Kingfisher à nossa frente. No dia seguinte, percorremos Mumbai como nunca; de manhã à noite. Foi a nossa despedida, Mumbai num domingo; uma bela despedida. Fomos jantar ao fancy Goa Portuguesa, que tinha um proprietário muito particular. No dia seguinte, pois que, foi o stress para levantar dinheiro, pagar o hotel e ir para o aeroporto. E entao, nessa viagem de táxi, as belas viagens de táxi que se fazem na Índia (sobretudo em Mumbai), tive a minha hora de despedida. Tal como se nos apresentou, assim se despediu Mumbai, suja, viva, cheia, forte, sonora, bela, doce; assim se despediu Mumbai pela janela do táxi. Confirmei o que sempre suspeitei: a Índia é a grande janela, é a grande pintura, é a grande, grande, grande, liberdade. Demorei uns dois dias até conseguir desfazer a mala. O jet lag bateu forte. Quando chegámos a Londres estava exausto e indisposto, triste. Dormimos em Londres e regressámos cedíssimo para Portugal. Frio. Chegámos a Lisboa e tudo nos parecia calmo, muito calmo, perguntámo-nos se seria feriado. Não era; era Lisboa, a, agora tão, pequena lisboa. O trânsito era fluído, não havia multidões, não havia uma sinfonia de buzinas. Lisboa parecia ao ralenti. Assim fiquei, ao ralenti. Não me conseguia decidir a desfazer a mala, não queria fazê-lo; seria acabar definitivamente a viagem. Reuni forças e fi-lo. Um nó na garganta. Tudo cheirava a Índia, as roupas, os sacos, a própria mochila, as minhas mãos ficaram a cheirar a Índia. Um choro pequenino, mais interior do que efectivo. Comecei a ouvir os cds que comprei e prossegui. Coloquei tudo em cima da cama e detive-me a olhar as coisas: as roupas que levei e que usei (poucas), as roupas que levei e não usei (muitas), as roupas que comprei, a bolsa com os medicamentos, os chinelos, a toalha de praia, tudo. Tudo tinha estado na Índia; tudo ainda estava, de certa forma, na Índia. Percebi que o que sentia era tão estranho e forte e palpável como o fim de uma relação da qual se sai ferido. A mesma necessidade de reconstrução de tudo o que a mesma foi, o coleccionismo das memórias da relação, das memórias do outro, do cheiro do outro, da voz do outro, da pele, suor e lágrimas do outro. Percebi que chorava a Índia como se de um amante se tratasse. Estranho mas tão real. Ainda tenho tudo por arrumar no quarto, trabalhei durante o fim-de-semana e no Domingo vim para o Algarve para votar e ver a minha mãe e mano. Só ontem consegui dormir mais do que cinco horas. Só ontem comecei a recuperar. Hoje estou triste e ansioso, por partir e voltar uma vez mais, apetecia-me ficar aqui no ninho um pouco mais. Sem nada para fazer. Mas sei que vou ter de me preparar. Vou ter de entrar de novo na minha vida. Sei que vou ter de entrar no meu quarto e organizar os destroços da suspensão que teve de haver entre mim e o meu grande amante: Índia. Parti com saudades do voltar!

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