ipodonan

Monday, November 14, 2005

parabéns

“tonight it’s just the two of us”, diz o Antony no final do belíssimo “fell in love with a dead boy”. estive a ouvir o “i am a bird now” antes de ouvir o “fell in love…” . amo os dois mas gosto ainda mais do primeiro, parece-me mais completo. os poemas são-me mais próximos.

estou um bocado impertinente, irrequieto, escrevi algumas palavras em cerca de seis diferentes coisas que tenho vindo a desenvolver nos últimos tempos. nenhuma foi capaz de me prender como uma determinada tarefa para a presente noite.

Volto a mergulhar na Virgínia Woolf, primeiro o diário, leio duas páginas, passo as notas que tenho vindo a tirar para um documento de Word (adoro estas minhas tentativas de meticulosidade), findas as notas, fecho o documento, regresso ao “As Ondas”. Volto a ler a passagem onde Neville descreve a morte de Percival. Hoje não, não consigo. Fecho o livro. Tenho de voltar a navegar nessas magníficas ondas durante o dia, aproveitar um qualquer dia de “Sol de Inverno”.

Penso no meu diário. Tenho saudades do meu diário. Continuo sem net em casa.

Vou dirigir-me ao meu diário (vou passar tudo isto para um cd ou disquete e amanhã injecto estas lucubrações no dito, em diferido)


Querido Diário:

Parabéns! Fizeste um ano. Creio que foi no dia oito de Novembro, não tenho a certeza, não te tenho aqui por isso não posso confirmar. Sabes, Querido Diário, ao longo deste ano tens sido um grande amigo, mais do que um grande amigo, tens sido um alicerce. Tens vindo a afirmar-te como um espelho/instrumento onde muitas vezes recorro para me poder reconhecer/afirmar.

A puta da mosca voltou. Coisa estranha está aqui a passar-se, Querido Diário, entre mim e uma mosca. É uma Mosca da Visita. Eu nunca te falei delas mas desde criança que as conheço. São umas moscas que têm o dobro do tamanho das moscas normais. Zumbem, como é compreensível, com grande impacto, ouvem-se distintamente (nem o Antony consegue abafar o zumbir desta) e são muito eficazes na afirmação da sua presença. Costumava vê-las ao Domingo, quando era criança, e a Mamã dizia-me “Hoje devemos ter visita”. E não é que isso acontecia mesmo, Querido Diário! Sempre que uma destas velhacas nos entrava pela casa adentro, era certo e sabido, tínhamos visita. Normalmente era a avó Carminha que nos vinha visitar. De modo que eu sempre tive uma relação de pueril entusiasmo com estas marotas. Houve algumas vezes em que uma sua representante apareceu e a suposta visita acabou por nunca comparecer. Foi aí que comecei a sentir o insípido sabor da desilusão.
Esta Mosca da Visita está a ser particularmente inconveniente. Foi a Rosa quem ma apresentou, enquanto estávamos a jantar. A sacanita (Mosca da Visita, entenda-se) estava escondida dentro do armário da cozinha. Mas o seu zumbido era tudo menos discreto e assim demos pela presença dela. Lá fomos jantando e cavaqueando e ela esgueirou-se, sem que déssemos por isso, para onde entendeu. E não é que ela entendeu vir instalar-se no meu quarto, Querido Diário?! Percebi-o há algumas horas quando o vim arrumar. Pois vou relatar-te onde reside o estranho de toda esta façanha; a cabrona já me entrou três vezes no quarto depois de eu a ter, com modos e delicadeza, expulsado do mesmo. É estranho, garanto-te. Tenho-lhe aberto a porta, espero que ela se decida a sair, vejo-a sair, fecho a porta e passados uns minuto já cá zumbe outra vez. Anda a passear-se à minha frente, por cima da minha cabeça. Já embateu numa das minhas orelhas. Não percebo como é que ela consegue voltar a entrar. A porta está fechada, a janela também. Antes de confirmar que esta última estava fechada, pensei até que ela tivesse ido dar a volta por fora do prédio e tivesse voltado a entrar pela janela do quarto. Mas não, a janela e o estore estão fechados. É impossível. A não ser que ela esteja a entrar pela fechadura da porta do quarto. Agora calou-se. Vou ver se a vejo.

(2 minutos depois)

Nem sinal da safardana. Escapuliu-se. Eu ainda não te disse, Querido Diário, mas esta situação está a intrigar-me duplamente, por um lado, é o mistério da entrada e saída da intrusa e, por outro lado, é a ansiedade que a sua presença me provoca ao conceber a possibilidade de vir a ter uma visita. Se a houver, deve ser para mim. É no meu quarto que a magana anda a intrometer-se, certo? Quem poderá ser a visita, pergunto-me eu? Não espero alguma, não me parece que haja alguém arrojado o suficiente para me vir visitar às duas da manhã, embora eu até pudesse achar piada. Bom, é melhor não pensar mais nisto. A Mosca da Visita até parece ter-se evaporado. Mais uma desilusão. Pfff, buhhhh, mosca de merda.

“Visitas, visitas há muitas visitas. Que enchem os sonhos, os meus e os teus. São endiabradas e muito animadas. Depois vão-se embora sem dizer adeus”.

Querido Diário, queria dar-te os parabéns pelo teu primeiro ano de existência, queria agradecer-te também por tudo o que tens sido para mim (tu sabes o que tens sido), e queria congratular-nos a nós os dois pela nossa bonita história de amor. Apaixonámo-nos um pelo outro, não foi? Tem sido muito bonito/eficaz o nosso namoro. Queria agradecer também aos nossos visitantes, que com, frequência e algumas palavras bonitas, têm vindo dar eco e partilhar o nosso prazer de estarmos aqui um para o outro e para as palavras. Parabéns a todos nós. Obrigado a todos nós, sejamos nós quem formos!


3:33: adoro capicuas, vou regressar ao diário da Virginia. Ela também devia gostar muito do seu diário, embora não o tratasse por Querido Diário. Nem sempre as pessoas são capazes de usar as palavras para exprimir o bem que querem a alguém/algo. Aprendi isso recentemente. Não concordo mas aprendi. Não pratico mas aprendi. Não sei (con)viver com isso mas aprendi. Tenho pena mas aprendi. É preciso aprender a ler todos os dias. Quem não o faz está de costas viradas para a vida. É por isso que eu aprendi. Li, ao ralenti, mas li. Tarde mas li. E ler é aprender. Sempre, ler é aprender. Ler é aprender a viver.

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