ipodonan

Thursday, December 29, 2005

sobre a chegada a uma futura viagem

Sobre a chegada a uma futura viagem “Any opera freak will tell you that the combination of life-threatening illness and infatuation is an inflammatory one. More so, if the attachment is less than a week old and neither of the attached has yet allowed their halos to slip. There are few sensations more gratifying than being indispensable, and few creatures who provoke indispensability more than a complete and incontinent invalid. The patient, too, is gratified, if the attention he receives is faultless, since he will undergo an experience he has not known since infancy, an he is bound to mistake his fevered gratitude and his nurse’s overwhelming solicitude for the symptoms of a love of mythical proportions. At the onset of any entanglement the boundaries are tenuous, formed by pleasure and attraction. The infliction of something nasty on one of the protagonists serves as a short cut to more mature parameters, of duty and suffering and self-denial and the tolerance of nauseating smells, and all the other proofs of durable affection. Mistaking a dramatic illness for the worst that can happen, the lovers conclude that their relationship has been tried and tested, and they emerge with an idealistic notion of their own fortitude.” in, “Lovely” de Frank Ronan Gostava que te sentasses aqui agora e que me segurasses a mão esquerda com fervor e calma. Se aqui estivesses eu poderia até fingir estar doente, se tu assim o quisesses. Podíamos desenhar as nossas silhuetas nas paredes do meu quarto, auxiliados por aquele marcador castanho e pela luz deste candeeiro de mesa-de-cabeceira que comprei em Sevilha. Podíamos cortar em pedaços alguma da minha roupa e também simular uma discussão para arreliar os vizinhos. Podíamos dançar ao som de música Pimba aos berros, podíamos cuspir para dentro da boca um do outro, podíamos beber vinho tinto e ficar indispostos. Podíamos cortar quadradinhos de papel branco e fingir serem selos muito valiosos que ofertaríamos um ao outro como provas eternas de amizade ou até de amor. Podíamos fingir que éramos miúdos e que estávamos aqui para fazer a enxurrada de exercícios de matemática que a professora nos tinha destinado para as férias de Natal. Eu podia ensinar-te a fumar, se tu não soubesses. Podia cortar-te o cabelo às três pancadas, podia mostrar-te, no Grande Atlas Mundial, que me acompanha desde a infância, todos os países que eu gostaria de visitar um dia. Podia ouvir-te a dormir. Gosto muito de ouvir as pessoas a dormir. Sobretudo, gosto de ouvir a dormir as pessoas que ainda não conheço, e talvez nunca venha realmente a conhecer, mas que a fúria dos corpos e a fome de presença a elas me juntou num colchão. Desde que passei a gostar de conhecer pessoas que comecei a ficar atento a uma série de coisas que até então me eram incógnitas. Apesar de tudo, eu rio-me muito sozinho. De mim e comigo, dos e com os outros, de e com esta coisa a que se chama existir, passo muito tempo a rir. Mesmo quando a dor é agonizante, desesperante, acutilante, enervante, constante, há sempre um lado de mim que se ri a bandeiras despregadas. Podes considerar-me doente, não me importo. Quando tiver coragem hei-de entrar com uma pistola dentro de um carro de uma pessoa desconhecida. Hei-de encostar-lhe a pistola a uma das têmporas e hei-de dizer-lhe: “Leva-me para longe daqui, põe a tocar a tua canção preferida e conta-me tudo o que escondes de toda a gente. Mostra-me quem realmente és. Estou aqui para te ouvir. Considera-te sob sequestro e que o teu resgate serão todos os teus segredos.” Então vai começar a grande história da minha vida. Eu e essa pessoa vamos apaixonar-nos loucamente, vamos ter a possibilidade de mostrar um ao outro, sem pressa ou hesitação, quem realmente somos, o que procuramos, o que nos move e comove. Essa será a minha grande viagem, a concentração absoluta e cristalizadora das coisas que mais gosto da fazer na vida: andar de carro, ouvir música, ouvir, falar, olhar nos olhos, take care, fazer amor. Vamos correr o mundo inteiro dentro de um carro. E quando atingirmos o fim do mundo vamos chorar, em silêncio, e despedirmo-nos para nunca mais nos voltarmos a ver. A pessoa desconhecida há-de fazer o que lhe aprouver, depois da despedida, e eu irei tirar a carta de condução. A pistola, no entanto, será enterrada no fim do mundo, vazia, sem uma única bala, como sempre esteve desde o início da viagem. Estou a rir, agora.

1 comment:

Madame Pirulitos said...

Gosto do que escreves. E gosto tanto de Frank Ronan...