Onan e o mercado negro das palavras
Vem, com toda a tua subtileza e pés de algodão, procurar-me. Vem, para que me possas listar. Sou eu, o mesmo, quem encontrarás. O mesmo de sempre, perdido entre armaduras assimétricas enferrujadas e sinais malformados do amanhã, rendido e vendido em saldos num mercado qualquer.
Vais encontrar-me ainda acordado, sujo e sem pele na ponta dos dedos, no mercado negro das palavras que és incapaz de dizer. Eu sou o comprador compulsivo, o abutre, o somítico previdente, que percorre uma a uma todas as línguas à procura da palavra última. Sou quem compra as palavras acabadas de pensar. Sou eu o coleccionador destemido/infantil que não consegue acabar o seu próprio jogo. Irás encontrar-me cinzento e mudo no mercado negro das palavras.
Já estive algures. Já fui muito longe para poder chegar até aqui. Já vi chacinar e morrer muitas musas e muitos poetas. Já bebi muita tinta. Já cortei muitas vezes as pontas dos dedos, à força de tanto dormir com papel.
Conheço-te bem: és metatangencial. És palavras que ainda não comprei, palavras ainda não pensadas. És o antes das palavras.
Conheço-te mal: não te posso comprar. Não estás à venda. Não proferes.
Conheço-te como posso: na pontuação. No fim das frases. Nos gritos que não concebes. Na voz que evitas ter. Na preguiça do dizer. No olho clínico onde vives: no mercado negro do olhar.
Vem e procura-me, agora, nas palavras que ainda não te foram apresentadas. Vem listar-me no abismo último da sintaxe. Vem surpreender-me no acto da compra. Vem observar-me nesta busca. Vem espiar-me nesse ritual onde me vendem, ao calhas, palavras que espero serem de ti. Vem ouvir-me na compra da tua própria voz.
Vem destruir-me tudo isto, em silêncio, em fúria, e com tesão, para que me possas calar.
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