ipodonan

Saturday, March 19, 2005

um mergulho anacrónico

Cheguei ao cimo da terra com o sol de julho e a esperança de uma existência solar. Trazia-a, à esperança, cerrada e em pó novo entre a cordilheira dos dentes ainda por romper. O inconveniente da chegada: cheguei durante a noite e o sol de julho era ainda uma ideia que caminhava para a manhã seguinte à treva de julho da minha chegada.
Começaram os primeiros outonos e invernos e o pó novo congelou. Os dentes, que também eram promessa, nessa cordilheira do porvir, viram a luz do dia dentro do céu da minha boca. Nasceram para ranger, os meus dentes, para evaporar o pó novo e o tornar gelo consternado. As palavras nasceram depois, antes de eu mesmo ter nascido.
Eu nasci em mim com as palavras, nos primeiros outonos e invernos do fim de setenta, para aprender a dizer que nunca tinha pedido para nascer. Ainda não aprendi a esquecer, completamente, a dita afirmação e levo quase trinta anos de pó (que ainda quer voltar a sentir-se novo). E tenho dentes piores na cordilheira; desgastaram-se. O céu da minha boca também tem tido as suas explosões, eclipses e acidentes: erosão.
Não me apetece prosseguir com esta pseudo-rectrospectiva em tom poético da treta. Porque hoje tudo me parece da treta e, por mais que queria, uma perspectiva da minha chegada, percurso e etc, em muito pouco me parece poética. Transito entre a angústia, a frustração, o medo, a exaustão, a pequena esperança e a fúria.
Estou isolado; comigo. Estou sitiado no meu caos. Desprotegido das ilusões que eu mesmo tenho vindo a criar.
Quero o que quero e quero muito mais do que um esboço de mim. E não consigo.
Quero poder chorar alarvemente e não consigo.
Quero poder ver muito mais do que isto e não consigo.
Quero poder ser pleno e eficaz e não consigo.
Quero poder dar e não consigo.
Quero poder receber de outra forma e não consigo.
Quero poder fugir e estar distante e não consigo.
Quero ser insolente, despropositado, cruel e não consigo.
Quero ser quem dita as regras e não consigo.
Quero ser preenchido, arrebatado, inspirado e não consigo.
Quero ser mais do que uma ideia e não consigo.
Quero perder-me por aí e não consigo.
Quero achar-me e não consigo.
Quero mentir e não consigo.
Quero ser desejado a toda a hora e não consigo.
Quero despedaçar corações e não consigo.
Quero ser maldito e não consigo.
Quero ser o mundo de alguém e não consigo.
Quero ter tudo e não consigo.
Quero foder como um animal e não consigo.
Quero ter inimigos e não consigo.
Quero ser multitetrapentamegahipersuperextramilionário e não consigo.
Quero matar pessoas e não consigo.
Quero procriar e não consigo.
Quero dar a volta ao mundo e não consigo.
Quero morrer de amor e não consigo.
Quero morrer de fome e não consigo.
Quero morrer de dor e não consigo.
Quero morrer de espanto e não consigo.
Quero morrer de solidão e não consigo.
Quero morrer assassinado e não consigo.
Quero morrer de prazer e não consigo.
Quero morrer de melancolia e não consigo.
Quero morrer de cansaço e não consigo.
Quero morrer de felicidade e não consigo.
Quero morrer de morte natural e não consigo.
Quero morrer de indigestão de carne humana e não consigo.
Quero morrer de morte e não consigo.
Queor morrer de medo e não consigo.
Quero morrer de riso e não consigo.
Quero morrer de parto e não consigo.
Quero morrer de saudade e não consigo.
Quero morrer de febre e não consigo.
Quero morrer de mim e não consigo.
Quero acreditar em Deus e não consigo.
Quero venerar o Diabo e não consigo.
Quero ver o meu anjinho da guarda e não consigo.
Quero mudar de país e não consigo.
Quero mudar este país e não consigo.
Quero tocar piano e falar francês e não consigo.
Quero andar de camelo e não consigo.
Quero ler o "Ulysses" do Joyce e não consigo.
Quero dizer "AMO-TE" e não consigo.
Quero percorrer o mundo a cantar e não consigo.
Quero ser lido pelas crianças do Kilimanjaro e não consigo.
Quero ganhar prémios da crítica e não consigo.
Quero ser pai e não consigo.
Quero fazer tudo por alguém e não consigo.
Quero construir a minha casa de sonho e não consigo.
Quero ir a Buenos Aires e não consigo.
Quero pagar todas as minhas dívidas e não consigo.
Quero esquecer-me do que foi mau e não consigo.
Quero regressar ao ventre da minha mãe e não consigo.
Quero ter orgulho do meu sucesso e não consigo.
Quero atirar pedras aos telhados de vidro dos outros e não consigo.
Quero deixar de duvidar da verdade de tudo e não consigo.
Quero ser o centro das atenções e não consigo.
Quero estar sempre alerta e não consigo.
Quero poder dizer que estou frágil e estilhaçado e não consigo.
Quero poder gritar que tenho preguiça de viver e não consigo.
Quero aprender a estar no aqui e no agora e não consigo.
Quero parar para pensar como deve ser e não consigo.
Quero deixar de escrever disparates e não consigo.
Quero conseguir conseguir e não consigo.
Quero conseguir comigo e não comigo.



"AND NOW FOR SOMETHING COMPLETELLY DIFFERENT"

"Always Look On The Bright Side Of Life"
Some things in life are bad
They can really make you mad
Other things just make you swear and curse
When you're chewing on life's gristle
Don't grumble, give a whistle
And this'll help things turn out for the best...
And...
Always look on the bright side of life...
(Whistle)
Always look on the light side of life...
(Whistle)

If life seems jolly rotten
There's something you've forgotten
And that's to laugh and smile and dance and sing
When you're feeling in the dumps
Don't be silly chumps
Just purse your lips and whistle - that's the thing.

And...
Always look on the bright side of life...
(Whistle)
Come on.
Always look on the bright side of life...
(Whistle)

For life is quite absurd
And death's the final word
You must always face the curtain with a bow
Forget about your sin - give the audience a grin
Enjoy it - it's your last chance anyhow.

So,
Always look on the bright side of death
Just before you draw your terminal breath

Life's a piece of shit
When you look at it
Life's a laugh and death's a joke it's true
You'll see it's all a show
Keep 'em laughing as you go
Just remember that the last laugh is on you

And always look on the bright side of life...
(Whistle)
Always look on the right side of life...
(Whistle)

Come on Brian, cheer up.

Always look on the bright side of life...
Always look on the bright side of life...

Worse things happen at sea you know.

Always look on the bright side of life...
I mean - what have you got to lose?
You know, you come from nothing - you're going back to nothing.
What have you lost? Nothing.

Always look on the right side of life...

By Monty Phyton in, "Life Of Brian"

Este post é dedicado à minha grande e querida amiga Edu (que me revelou a sua receita contra a tristeza: ouvir esta canção, deixá-la apoderar-se do nosso corpo e assobiá-la vezes sem conta até a tristeza/frustração se diluir). Obrigado Edu, it really works. Sinto-me melhor e nunca me esquecerei desta receita. Até parece que estavas a ler o post que eu estava a escrever enquanto estávamos a conversar. A letra da canção tem tudo a ver com o conteúdo deste post. Obrigado mais uma vez.
Este post é também dedicado à minha grande amiga Lara (que me tem sabido sempre dizer as palavras certas e me tem embalado com o seu amor puro e a sua inteligência de fémea).
Este post é também dedicado ao meu Toblerone (que está a ver que é preciso alguma pachorra para me aturar. Decidi:eu não me vou embora; estou cá para ti. Se quiseres eu fico. Cada vez gosto mais de ti e de te ter na minha vida).


Quero assobiar e... não consigo. Shit... oh... fuck it...
Se não consigo assobiar ao menos sei cantar...

"always look on the bright side of life"

LáLá LáLá LáLáLáLáLáLá

2 comments:

Anonymous said...

Bem, é como os Monty dizem: "Viémos do nada, para o nada voltaremos. Que é que perdemos? Nada!" Ainda bem que te ajudei kido. E lembra-te: Always look on the bright side of life.
Jinhos (era para escrever algo mais profundo e insondável, mas sabes como é, a estas horas da manhã.......).

onan said...

profundos e insondáveis são o amparo e a sabedoria. e esses tu sabes bem transmitir, no matter what e no matter how. é por isso que sei que vou ter sempre comigo a tua receita; pela vida fora e até ao fim dos dias. tal como tu. e essa passagem de testemunho, minha querida, foi um daqueles momentos em que a vida, por mais cabra que seja, me brilhou com o seu sentido. porque, ao fim e ao cabo, talvez algum do sentido seja: crescei e olhai uns para os outros. e isso é raro; ter quem nos olhe e nos ajude a crescer com amor e pureza. obrigado.

um beijo puro e crescido de onan