Depois de ter chorado, Ela, sentiu necessidade de chorar ainda mais. Uma necessidade não cerebral mas corpórea, uma necessidade epidérmica. Deteve-se nua diante do grande espelho do quarto de hotel e fitou o seu corpo indefeso, prostrado perante o seu próprio olhar. Estudou a sua própria nudez, como se esta não lhe pertencesse. E as lágrimas não surgiram. Focou e desfocou o olhar algumas vezes, tentando tornar a sua figura uma entidade abstracta e sem qualquer tipo de experiência, história, vida. As lágrimas voltaram a não surgir.
A necessidade de chorar tornou-se cada vez mais imperativa. Então, Ela, sentiu que a recordação seria a via pela qual o choro teria possibilidade de ocorrer. Apelou à memória da pele e os seus olhos adquiriram o brilho lubrificado do choro. A sua pele recordou o peso exacto das mãos dele, a extensão de cada um dos seus dedos, a duração de cada afago, a meticulosidade de cada carícia. Os seus mamilos enrijeceram-se e as lágrimas começaram a rolar-lhe pelo rosto abaixo. Concentrou-se no espaço, o pequeno vazio, que ficava entre as suas coxas. O espaço em branco tantas vezes preenchido pela língua quente e húmida dele e que parecia ter sido criado exactamente para esse fim. Recordou o início de um poema dele:
"Foi daí, das tuas coxas, que o sol saiu para que a minha língua tivesse um país onde reinar...".
O choro tornou-se compulsivo, feroz. Sentiu-se habitada, como se a memória tivesse a capacidade de ser um substituto da presença. Como se o choro fosse um processo alquímico capaz de converter o vazio em carne arrebatada. E sentiu-o. Sentiu o seu hálito quente e salgado a percorrer-lhe a nuca, sentiu o seu queixo mal barbeado a roçagar o seu pescoço. Sentiu as suas mãos vorazes a afastarem-lhe as nádegas. E parou de chorar. Caída no chão, nua, pequena, parou de chorar.
Ele deixou de ter vontade de falar e assim o fez. Sentiu a inutilidade a instalar-se na língua e cortou uma pequena porção da mesma, a ponta, com uma navalha. Acabara de instituir o silêncio na própria carne.
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