ipodonan

Sunday, January 13, 2013

a neurose

penso numa frase que, até com alguma frequência, ouço: as pessoas são bichos de hábitos. e concordo, reconheço que sim, aprovo, dou a mão à palmatória, em suma, não viro as costas a esse facto. as pessoas são, MESMO, bichos de hábitos, de rotinas, de rituais, na verdade, convenhamos, repetições (e eu estou a sentir-me a Carrie do Sex And The City neste momento mas não me importo nada). as pessoas são, além de bichos de repetições, bichos extremamente complexos. e porque vim eu aqui parar? porque estou eu a dar-me ao trabalho de elaborar sobre isto? porque, uma vez mais, ao retornar a casa, depois de uma jornada de labuta, no carro de praça (é preciso que fique bem claro que eu, além de ser uma pessoa que muito anda de carro de praça, encontro nisso uma tão libertadora coisa que à vida concerne; os momentos em que ando de carro de praça são, efectivamente, e paralelamente aos momentos em que caminho pela cidade, os momentos em que tenho a possibilidade de estar concretamente comigo. são momentos de solidão. é claro que, com tanta regularidade na actividade, já arranjei estratagemas, que nem vou aprofundar, para não dar sequer possibilidade ao condutor de comigo interferir. isto não é ser arrogante, é garantir um bocadinho de qualidade de vida. e, garanto, andar de carro de praça é um bocadinho da qualidade de vida que, pelas, ironicamente, circunstâncias da vida, me dou ao luxo). adiante... pessoas: bichos de hábitos e repetições. estou eu a chegar a casa e a pagar a jornada e dou por mim a, uma vez mais, e como tantas vezes faço, dizer ao senhor para ficar com a demasia. hoje, e é incrível como o valor da jornada é variável, sendo que o percurso é, repetidamente, lá está: bichos de repetição, o mesmo, o valor da jornada foi: (até vou escrever por extenso) quatro euros e quinze cêntimos e eu dei ao senhor uma nota de cinco euros e disse: "fica assim". faço isto todas as noites, ainda que os valores vão variando aqui e acolá. e hoje, ao sair do carro de praça, perguntei-me: porque fazes isto? e a resposta surgiu logo: faço por ritual e faço por esperança. passo a explicar: não faço isto porque nado em dinheiro e também não faço isto porque sou um excelso ser, carregado de bondade, que prefere tirar de si para ao outro dar. faço isto por ritual, é essa a verdade. faço isto por ritual esperança. porque no fundo, e isto é que é engraçado, cada vez me leio mais como alguém que pouca crença tem no divino mas que não deixa de ter uma certa ritualidade não crença. é como brincar com... brinco com a não crença na esperança que ela, a esperança, de seu possa vir a trazer. ou, pior ainda, do que me possa vir a trazer. e isto surgiu há pouco mais de dez anos atrás. um dia fui fazer um casting para uma telenovela da tvi, aquilo ficava no caralho mais velho (como ficam todos os estúdios) e eu lá fui de metro até ao campo grande e depois fui apanhado, em frente à estação de metro, por uma carrinha da produção. ao entrar na dita percebo que havia outro rapaz, outro actor, e que estávamos os dois a "concorrer" para a mesma personagem/oportunidade. lá fizemos o casting e lá o driver nos trouxe de volta a esse, tão conhecido, campo grande. antes de entrar no metro sou interpelado por uma pedinte e automaticamente levo a mão aos bolsos e dei-lhe todo o dinheiro que neles tinha. e enquanto o fiz pensei: dou-te isto hoje na esperança de que amanhã eu venha a ter muito mais (ou seja: que fique com a merda do papel e que venha a ganhar uns cobres). e não é que funcionou?! fiquei com o papel, fiz a novela, fiquei a ganhar mais. a partir desse dia passei a dar, ritualmente, a quem me pede. de uma forma muito egoísta, confesso, porque quando dou penso, melhor, recito para mim uma frase que acho que vem da minha adorada e falecida avó: que a mim me sobre e a ti não te falte (ou o contrário, já nem sei bem, mas é assim que o faço). e faço-o porquê? porque sou uma pessoa e as pessoas são bichos de hábitos; as pessoas habituam-se às repetições, habituam-se a essa ideia, habituam-se à esperança, conforto, segurança, confiança que a repetição lhes dá. mas isso, no fundo, tenho essa noção, é ser completamente neurótico. as pessoas neuróticas agem por e pela repetição, agem pela sensação de controlo que a repetição lhes dá, agem por e para esse conforto. e dou por mim a rever-me e a lembrar-me que eu sou daquelas pessoas que verifica três vezes antes de sair de casa se as torneiras estão todas fechadas. sou daquelas pessoas, desde criança, que numa calçada só caminha sobre as pedras pretas. sou daquelas pessoas que abre e fecha a mochila três vezes (o número três é, além de importante, determinante) para perceber se as chaves de casa, o telefone, os headphones e os lenços de papel lá estão. lembro-me que quando era criança tinha um auto-jogo: ao abrir a porta do prédio tinha de correr e trepar o lanço de seis degraus do primeiro patamar das escadas do prédio antes que a mesma, a porta, nas minhas costas se fechasse. se o conseguisse estaria tudo bem; se não o conseguisse algo poderia, e iria, acreditava eu, correr mal. e ser neurótico é isto: é ter medo que não ter qualquer tipo de, por mais ridículo que seja, esperança seja o vazio absoluto. ser neurótico é não ter a capacidade de lidar com a ausência da esperança. as pessoas são mesmo bichos de hábitos e ter esperança é uma patologia que, talvez, lhes seja mesmo fundamental. ainda não percebi o peso da minha neurose nem da minha necessidade, refutação, da esperança mas sou ritualista e, confesso, isso faz-me sentir, muito, como hoje, e como tantas vezes, uma pessoa. faz-me sentir mais pessoa; por mais neurótico que isso seja. ser neurótico faz-me sentir vivo. e viver é uma coisa algo complexa e HABITUAL (até ao dia em que a gente morre). viver é repetir todos os dias o estar vivo; coisa que, por enquanto, com tudo o que isso implica, até vamos sabendo o que é. viver é verificar... uns fazem é mais prementemente do que outros essa verificação, apenas isso.  talvez seja isso a neurose... 

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