Saturday, March 11, 2006
antes de dormir, fizeram-me bem
E Onan diz, de si para si mesmo, como se dois demónios houvesse:
Não te desejo mais do que todas as vezes ou todas as carícias do mundo. Sei que as tens, precisas-te tu. Não te preciso eu; imaculado, sei que não vens, precisas-te tu. Estou a morrer de fome, entrecortado, sei que não tens, nasce-te tu. Sou rarefeito, exasperado, sei que não vês, faz-te tu. Sou de vidro, fosco e quebrado, estilhaçado, martela-me tu. Morro e remorro, em mim sepultado, nascido e nado, em ti e em tu.
Há-de haver um dia, em que tudo te parecerá desfocado, imóvel, irretornável, findo. Nesse dia, o espelho será o teu único interlocutor; vais rir-te, eu também me ri, e vais sentir-te detentor do princípio da criação. Vais devorar tudo o que existe na cozinha, como se o mundo fosse acabar então e como se a tua fome fosse um vendaval de vontade e de finito. Finitei-me aqui, em ti.
Onan é interrompido!
Elas fizeram-me bem, as adolescentes na cozinha, a Madalena e a amiga, fizeram-me bem. Fizeram-me relatos da sua juventude. Falaram-me de curtes e de rapazes da Portela. E de problemas do enlace, do alto dos seu dezassete anos, dos desencontros na discoteca, fizeram-me bem. Estou tão próximo, fizeram-me bem, queremos o mesmo, fizeram-me bem. Vamos dormir, fizeram-me bem.
Afinal, as miúdas tinham dois cigarros, fizeram-me bem.
Tenho de ir, fizeram-me bem.
Estou mais do que vivo, fizeram-me bem.
Ainda não morri, reaprendo o riso, fizeram-me bem.
É uma dádiva, isto de ter cabeça, faço-me bem.
Tu não me matas, nasço-me contigo, far-me-ei bem.
Não, eu ainda não floresci; vivo-me, volátil, e até bem.
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