ipodonan

Tuesday, October 11, 2005

estações

Nunca parti, fiquei.

Já há algum tempo que deixei de apreciar com exactidão qualquer uma das estações do ano. Durante muito tempo detestei o Verão e deliciei-me com o Inverno. O Verão deixava-me confuso, mentalmente irrequieto e perdido, atormentava-me. O calor empurrava-me para um território próximo da morte, cerebral mas, a seu modo, letal. O inverno embalava-me, amparava-me, aconchegava, transportava-me, em consolo e recolhimento, para uma zona aprazível de mim mesmo. Depois, houve o sabor da morte. Não da minha morte mas da morte do outro. Quando o outro morreu senti-me bem na Primavera e consequentemente no Verão. Vivi essas duas estações, pela primeira vez em largo tempo, com fervor e histeria. Foi um falso e veloz viver esse que ocorreu depois da morte.

Quando caí em mim os Invernos haviam passado a ser velozes mas dormentes e os Verões fogueiras hipercinéticas de insanidade. Tudo passou a ser excessivamente célere: o Verão e o Inverno, antípodas no frenesim, a Primavera e o Outono, caminhos frenéticos para os mesmos.

Agora, que sou conceptualmente o renascimento da minha própria experiência, gosto das inconveniências das estações. Gosto dos interstícios imprudentes que ocorrem nas mesmas. Namoro com a deliciosa forma como estas se provocam. Comove-me a chuva birrenta e fria num dia de Agosto e choro calorosamente numa tarde soalheira de Janeiro.

Uma das melhores recordações que trago da infância é a da extrema felicidade experimentada ao vestir mangas curtas pela primeira vez no ano. 

Hoje fiquei feliz com a chuva. Fiquei feliz porque me pareceu que esta vinha fora de tempo. A chuva hoje foi impertinente, como as minhas vontades, veio talvez para ficar. Veio quando eu menos esperava, sorrateira e pequenina.

1 comment:

Anonymous said...

Acho que sempre gostei desta sensação de recomeço que vem com o outono. Outubro é o primeiro mês do ano. Mas viver numa casa com infiltrações levou-me a descobrir as vantagens do verão. Não podemos deixar de ser aquilo que experimentamos.

F.